
“Costumo dizer que tenho a sensação
de que cheguei aos 53 anos sem nunca ter
trabalhado. Porque sempre fiz o que gostava [...]”
“Costumo dizer que tenho a sensação
de que cheguei aos 53 anos sem nunca ter
trabalhado. Porque sempre fiz o que gostava [...]”
Paulo Cunha e Silva nasceu a 9 de junho de 1962 em Santiago Maior (Beja), onde, nesse período, estava colocado o seu pai, juiz de profissão; por esse motivo dizia ser um alentejano acidental. Devido ainda à profissão do pai, haveria de passar, durante a infância, por Aveiro, Portalegre e Braga, onde se fixaria aos seis anos e até à sua ida para o Porto para estudar medicina no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Poderíamos entrever, no influxo da largueza da paisagem alentejana, os amplos horizontes que caracterizariam o seu pensamento, e na itinerância que marcou a sua infância, a inquietude que o faria procurar, na multiplicidade díspar das perspetivas, a unidade ou o encontro entre tópicos e elementos aparentemente inusitados.
Paulo Cunha e Silva foi um estudante brilhante tanto nas disciplinas das humanidades como nas de ciências. Ele, que tanto haveria de ficar ligado às artes performativas e ao desporto, dizia de si mesmo que as únicas disciplinas a que se considerava menos apto eram justamente as que exigiam capacidade performativa, como desporto, dança ou desenho.
O interesse pelas artes, de resto, nasceu precocemente e manifestou-se nas incursões que, a partir dos doze anos, fazia às livrarias do Porto, bem como nos artigos que, dois anos depois, começaria a escrever para o Correio do Minho. Também muito cedo começou a viajar e aos 26 anos, como diz em entrevista ao Público, já conhecia uns 50 países, todos os museus europeus e os principais do mundo.
Durante o tempo da sua formação em medicina, construiu fortes amizades, cimentadas nas tertúlias informais do café Piolho com colegas não só da medicina, mas sobretudo da Faculdade de Letras ou de Belas Artes; e assim foi alimentando o seu espírito multidisciplinar e de construtor de pontes entre universos aparentemente distantes. Terminou a licenciatura aos 24 anos, com 17 valores; permanecia, pois, um estudante brilhante, tendo ficado conhecido como o “Paulinho dos vintes”.
O seu percurso na Faculdade de Desporto, onde se doutorou com uma tese intitulada O lugar do corpo: elementos para uma cartografia fractal, levou-o da lecionação de Anatomia (a partir de 1988) às disciplinas de Pensamento Contemporâneo e de Corpo e Desporto no Mundo Contemporâneo, espelhando a abrangência dos seus interesses e virtualidades enquanto professor, característica, aliás, da figura tutelar do Instituto onde se formou.
No caso de Paulo Cunha e Silva, não se pode falar propriamente de um “trajeto” tomado no sentido de alguém que se encaminha numa certa direção, abandonando o que ficou para trás, pois entre a medicina, o desporto, a filosofia e a arte sempre procurou edificar pontes e criar metamorfoses. Uma expressão desta abordagem foi o projeto O Corpo e os seus Discursos, um ciclo de conferências acompanhado por uma exposição para assinalar o centenário de Abel Salazar, e onde o médico e o artista se cruzam fecundamente.
A sua colaboração com Serralves, na década de noventa, intensificou-se rapidamente e foi, por isso, com certa naturalidade, que haveria de ser escolhido para programador da Porto 2001 Capital Europeia da Cultura, para diretor do Instituto das Artes do Ministério da Cultura (2003-2005) e para conselheiro cultural da Embaixada de Portugal em Roma (2009-2012), onde permaneceu, como diz, três anos, três meses e três dias. Foi ainda vereador da cultura na Câmara Municipal do Porto (2012-2015). Via na função de programador também a de um criador e, por isso, procurou que a programação, de forma orgânica, levasse as partes integrantes a ser mais do que aquilo que são se funcionarem autonomamente e entregues à sua solidão cósmica.
O seu percurso singular haveria de culminar no reconhecimento público do seu trabalho: foi considerado Personalidade do Ano do Jornal Público e um dos 200 portugueses mais influentes pela revista Visão; recebeu as insígnias de Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras, uma das principais condecorações honoríficas da República Francesa; postumamente, foi-lhe atribuída a Medalha Municipal de Honra da Cidade do Porto. Faleceu a 11 de novembro de 2015, mas a marca que deixou na cidade permanece viva em programas como Um objeto e os seus discursos, Cultura em expansão ou Fórum do futuro.
Citações em itálico: “Paulo Cunha e Silva por si próprio”, entrevista de Mariana Correia Pinto, Público, 2.10.2015
Balleteatro (a partir de excertos dos textos)
Balleteatro (a partir de excertos dos textos)
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